quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Insônia

Insônia que perturba a alma e invade os mais delicados sentimentos, tornando-os pontiagudos, ferreis e lesivos. Que estilhaça as boas lembranças, rasgando a carne a cada recordação de amor, amizade e juventude.

Insônia que palpita os músculos com tanta voracidade, que deixa exausto e dolorido todo o corpo. Que invade os repentinos desejos, amaldiçoando-os com a aflição de realizá-los a custa da dor e da escuridão.

Insônia alucinógena que torna visível todos os demônios conhecidos e os faz passear sobre as paredes, como se esperassem a melhor hora para atacar e de nada adianta fechar os olhos, pois seria a oportunidade perfeita para uma aproximação brusca, ao ponto de se sentir o calor e a respiração de sua presença.

Insônia que omite todas as coisas boas que já vivera, fazendo de qualquer vida pacata uma verdadeira via-crúcis, que nada conquistou além do tormento de ter feito tudo errado e o martírio de continuar no erro.

Insônia que encoraja a própria morte num primeiro instante, mas adia o ato para massacrar o que resta com covardia e incertezas de uma vida sem valor, onde o mundo é credor de um espírito vil, penhorado em troca de amargura.

Insônia que afaga o rosto com ferro quente, mas não permite um gemido de dor. Que perfura por vezes o mesmo lugar até o corpo se acostumar com o encaixe da lâmina na carne, pra depois lavar com Iodo e sódio.

Insônia que mata aos poucos, até que bem pouco fique, um fragmento, um pó de vida, uma raspa dela, apenas para que possa tentar dormir e esperar a insônia chegar.

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